Lembro-me do cheiro das flores, das pétalas a roçarem os meus ombros, da textura do veludo na minha pele, do cheiro intenso a cera de vela, dos gritos, do choro e depois o silêncio. Os olhos espelhando o horror. Se alguém pode dizer que viu o seu próprio funeral? Eu posso, mas não foi bonito.
Os olhos pousados em mim sem palavras. As pessoas a desmaiarem e todos à sua volta, só tive tempo de fugir. Sai da cidade nessa mesma noite. Completamente perdida. Soube mais tarde que o meu criador tinha sido morto pouco depois de me transformar, foi por isso que me tinham encontrado e me tinham dado um funeral decente.
De todas as pessoas presentes no funeral, eu só me lembro de ti. Tu estavas lá. Vestido de smoking preto, a olhar fixamente para mim quando me levantei e fugi. Estavas a escrever as condolências.
Demorei para entender a história daquele colar. Passei dias a pensar quem me teria oferecido tal presente e nunca o soube.
Hoje, vieste ver-me. Pensei que nunca mais nos veríamos, mas lá no fundo eu sabia que vinhas. Quiseste falar sobre nós e contaste-me a tua história. Nunca tinha feito tanto sentido, o colar tinha sido um presente teu. Começaste a seguir-me como forma de investigares o que andava a fazer e acabaste por te envolver demasiado.
- Estás arrependido? – perguntei
- Arrependido de quê?
- De te teres aproximado demasiado?
- Não. Estou apenas arrependido de não ter sido demasiado egoísta para evitar que te tornassem assim.
- Podias ter impedido? – questionei.
Viraste as costas e começaste a caminhar para a porta.
- Parece-me que já não tenho mais nada a dizer-te. O que aconteceu é passado. Tu és uma vampira, eu sou humano. Não há nada que nos una agora. Disseste que eu deveria viver a minha vida, é o que vou fazer a partir de agora. Só achei que...
- Vieste aqui dizer-me tudo o que te tinha dito anteriormente? – interrompi – Vieste dizer-me que tudo o que se passou entre nós é passado?
Não me contive e num golpe encostei-o à parede, olhei-o nos olhos. Tinham lágrimas.
- Porquê que não me dizes a verdade?
Ele inspirou fundo.
- A verdade? De que vale a verdade agora? É tarde demais. Não percebes que já tentámos ficar juntos e não dá?
- Sim...mas não tens de me dispensar assim. – empurrei a mão contra o seu peito para que não se mexesse.
- Não percebes, pois não? O que me trouxe aqui, porque vim atrás de ti, porque te contei todas estas coisas...Eu amo-te.
Olhei-o por momentos.
- Eu amo-te. Sempre te amei, desde que eras humana. E naquela noite, podia ter impedido que te tivessem transformado, mas não iria confrontar o teu namorado mesmo estando armado.
- O meu namorado?!
- Tu não te lembras de nada...Eu não quis enfrentá-lo porque sabia o preço que ele pagaria por te transformar sem autorização. E foi o preço que ele pagou. Fui eu que liguei à policia que te encontrou morta.
A minha mão caiu do seu peito e afastei-me.
- Que estás a dizer-me?
- Eu sou o culpado da tua condição. Não espero que me perdoes.
Baixaste a cabeça. Tudo o que me estava a passar pela cabeça, não fazia sentido, estava demasiado confusa. Não me lembrava de nada do que ele tinha contado.
- Vou-me embora. – disseste enquanto saias pela porta, não te impedi.
Às vezes, as pessoas tomam pequenas decisões que são capazes de mudar o rumo da história. Não consigo sentir raiva de ti, não depois de tudo o que vivemos juntos, não depois de teres cuidado de mim durante todo este tempo. A lua de sangue continua no meu pescoço. Sempre achei que de alguma maneira ela me guiava até ti e não quero perder-me novamente.
Posso compreender o que fizeste naquela noite : quiseste dar significado a um amor para sempre?
O meu amor por ti será para sempre...
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